Mais de 3,7 milhões de MEIs estão inadimplentes ou inativos
O número de microempreendedores individuais (MEIs) cadastrados no Simples Nacional cresceu 20% nos últimos 12 meses e já supera a marca de 6,4 milhões de pessoas. Com a recessão e o aumento do desemprego, mais brasileiros têm tentado a sorte como autônomo ou aberto o próprio negócio. Os números da Receita Federal apontam, entretanto, que mais de 3,7 milhões de microempreendedores estavam inadimplentes em julho, com o recolhimento de impostos atrasados, ou então inativos.
O programa foi lançado em 2009 para incentivar a formalização de trabalhadores como doceiros, camelôs, manicures, cabeleireiros, eletricistas, donos de pequenos bares e lanchonetes, entre outros. O índice de inadimplência sempre foi alto, mas atingiu em 2016 um patamar recorde. Passou de 55,5% no final de 2015 para 59,08% em julho deste ano. Ou seja, de cada 10 microempreendedores que buscaram a formalização através do MEI, 6 não estão pagando em dia os tributos devidos. Em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro o índice é ainda maior: 62,87% e 69,2%, respectivamente.
“A inadimplência quase sempre superou os 50%, mas com o contexto da recessão econômica se agravou”, avalia Filipe Rubim, gestor de projetos do Sebrae-SP. “O microempreendedor costuma ser mais suscetível a uma perda de mercado e a uma restrição de crédito. Muitas vezes, tem também outra atividade, até mesmo um emprego CLT, e acaba não conseguindo se dedicar tanto à empresa ou optando em deixar o negócio em ‘stand by’, para retomar mais à frente”, explica.
Entre os motivos para a inadimplência está também o mero esquecimento ou dificuldade para imprimir a cada mês a guia de pagamento. O vendedor de frutas Reginaldo de Jesus diz estar com “uns 5 meses atrasados”. “Não é relaxo, falta tempo mesmo para parar e ir imprimir a guia de pagamento. Se viesse no começo do ano viessem as 12 de uma vez, facilitaria e eu não ia atrasar”, afirma.
De julho de 2015 a julho de 2016, o MEI ganhou mais de 1 milhão de novos registros, passando de 5,23 milhões de optantes para 6,28 milhões. Já o acréscimo de pagantes em dia dos tributos devidos ficou abaixo de 200 mi, subindo de 2,39 milhões para 2,57 milhões.
Mais do que um avanço na formalização de trabalhadores, o crescimento do número microempresários tem sido visto como um empreendedorismo de necessidade, refletindo diretamente o aumento do desemprego e a forte destruição de vagas no mercado formal de trabalho.
Dados da Serasa Experian mostram que os MEIs representam 79,5% de um total de 1,199 milhão de empresas criadas entre janeiro e julho no país. Em 2010, essa natureza jurídica respondia por apenas 44,5% dos nascimentos de empresas.
Segundo o IBGE, o número de pessoas que decidiram trabalhar por conta própria chegou a 22,6 milhões, com um acréscimo de mais de 500 mil pessoas em 12 meses.
Mais de R$ 1 bi deixou de ser recolhido.
Embora o programa não tenha sido lançado com objetivos de arrecadação, caso não houvesse inadimplência mais de R$ 1 bilhão poderiam ter sido recolhidos a mais aos cofres públicos neste ano, só entre janeiro e julho, de acordo com dados da Receita Federal.
Segundo o Fisco, no ano-calendário de 2015 haviam 5,68 milhões de MEIs cadastrados para recolhimento de tributos e 2,66 milhões cumpriram com a obrigação de entrega de declaração anual, com uma arrecadação total de R$ 1,181 bilhão, ante uma arrecadação potencial de cerca de R$ 2,5 bilhões.
Em julho de 2016 (último dado divulgado pela Receita), o número de cadastrados chegou a 6,286 milhões, mas o número de pagantes ficou em 2,57 milhões. No acumulado de janeiro a julho, foram recolhidos pelo programa R$ 868 milhões, segundo a Receita.
Quem não paga, perde direito a benefícios
“Na verdade o grande prejudicado pela inadimplência é o próprio empreendedor porque ao não estar em dia o tributo mensal corre o risco de não ter acesso a direitos previdenciários como auxílio-doença, salário-maternidade e aposentadoria invalidez”, alerta Filipe Rubim, gestor de projetos do Sebrae-SP.
Ele explica que cada benefício tem um tempo de carência, ou seja, um tempo mínimo meses de contribuição para ter o direito garantido. E a contagem da carência inicia-se apenas a partir do pagamento da primeira contribuição sem atraso.
“Para perdir o auxílio-doença, por exemplo, o MEI precisa ter pago em dia no mínimo 12 meses seguidos. Se ele atrasa e paga vários meses juntos, esse recolhimento vai ser tratado pelo Fisco como uma única contribuição”, explica.
Risco de cancelamento do registro.
Quem está inadimplente há muito tempo corre o risco de ter o registro cancelado. De acordo com regulamentação de maio deste ano, o registro pode ser cancelado após 2 anos consecutivos e completos de não pagamento e de omissão de declaração anual de das operações comerciais, a DASN-SIMEI.
Pela legislação, os cancelamentos serão efetivados entre 1º de julho e 31 de dezembro de cada ano, mas ainda não há previsão de quando sairá a primeira lista de cancelamentos de MEIs por falta de pagamento do valor mensal e da omissão da entrega da declaração anual.
“O sistema que irá identificar e cancelar os MEIs que se enquadram nas condições definidas na resolução está em construção e ainda não é possível informar a data em que ocorrerão os cancelamentos”, informou a Receita, acrescentando que “haverá uma página no Portal do Empreendedor em que será possível consultar os MEIs cancelados”.
Questionada pelo G1, a Receita não informou o número de MEIs que atualmente se enquadram nas condições que pode levar ao cancelamento do registro.
Receita descarta Refis
Apesar do alto índice de inadimplência preocupar as autoridades, também não há a previsão de abertura de qualquer programa do tipo Refis para o parcelamento do pagamento dos tributos vencidos.
“Não há qualquer iniciativa da Receita quanto a eventual parcelamento de débitos”, informou o Fisco. “A orientação é pagar o valor devido no mês corrente em dia, e regularizar a inadimplência do passado no menor prazo possível”, acrescentou.
MEI terá opção de débito automático.
Questionadas pelo G1 sobre as medidas para reduzir a inadimplência, a Receita e a Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa (Sempe) informaram que ações já foram implementadas e que outras estão em desenvolvimento.
“Estão sendo criados cada vez mais mecanismos que incentivam e facilitam o pagamento”, afirmou a Receita.
Atualmente, o MEI pode gerar e imprimir a guia mensal de pagamento através do site do programa (www.portaldoempreendedor.gov.br), via terminais de autoatendimento do Sebrae, aplicativo de celular.
Segundo o diretor de programas da Sempe Fábio Silva, ainda neste ano deve ser disponibilizada também a opção de débito automático em conta corrente.
A secretaria diz estudar ainda uma alternativa para pagamento da guia “em outros canais de atendimento, como por exemplo a rede de pagamento das lotéricas (Caixa) e do Banco Postal (Banco do Brasil)”.
Vantagens do MEI
Além de garantir o direito a benefícios da Previdência Social, o MEI permite que o microempreendedor emita notas pelos serviços prestados e saia da informalidade pagando um valor relativamente baixo, que varia de acordo com a categoria no qual o microempreendedor está inserido (comércio, indústria e prestação de serviços). Atualmente, não passa de R$ 50 por mês.
Para se tornar um MEI, o trabalhador tem de ganhar até R$ 60 mil por ano e não ter participação em outra empresa como sócio ou titular. O microempresário também pode ter um empregado contratado que receba o salário mínimo ou o piso da categoria. Depois que formaliza a atividade, ele passa a ter CNPJ, o que permite a emissão de notas fiscais, o aluguel de máquinas de cartão e o acesso a empréstimos, por exemplo.
Ao manter seus pagamentos em dia, o microempreendedor tem direito à aposentadoria por idade ou invalidez e ao auxílio-doença, além de suas famílias terem direito a pensão por morte e auxílio-reclusão. Para as mulheres, há também o salário-maternidade. Sem o pagamento estar em dia, eles perdem o direito a estes benefícios, que exigem até 12 meses seguidos de contribuição como tempo de carência, que é contada a partir do pagamento da primeira contribuição sem atraso.
“O MEI é muito bom. A gente fica legalizado sem precisar de contador. E sem o MEI eu não conseguiria tirar minha licença na prefeitura”, conta Reginaldo de Jesus, que precisou do CNPJ para obter autorização da Prefeitura de São Paulo para atuar como ambulante ao lado de um ponto de ônibus na Avenida Nações Unidas, na Zona Sul da capital.
Saiba como ficar em dia
O recolhimento de tributo é mensal e pago em guia única. São R$ 44 de INSS (para todas as categorias), mais R$ 5 de ISS (prestação de serviços) ou R$ 1 de ICMS (comércio, indústria ou serviço de transporte). O Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) é obtido no site Portal do Empreendedor-MEI. A guia de pagamento preenchida também pode ser emitida via aplicativo.
A falta de pagamento mensal implica em cobrança de multa de 0,33% por dia de atraso (limitado a 20%), e de juros, calculados com base na taxa Selic, sendo que para o primeiro mês de atraso os juros serão de 1%.
O MEI inadimplente fica também impossibilitado de obter Certidões Negativas de Débito junto à Receita. Essas certidões são exigidas em situações como compra de imóvel, assinatura de contrato de aluguel e financiamentos bancários.
A inadimplência pode levar ainda à exclusão do registro do Simples Nacional por débito tributário. Após 2 anos contínuos sem nenhum pagamento do imposto mensal e sem entregar a declaração anual de renda, a legislação prevê o cancelamento automático do registro do MEI e do CNPJ.
“Como o custo não é muito alto, o MEI inadimplente consegue segurar o atrasado por um certo período. O grande desafio é manter o mercado ou o negócio num cenário de recessão. E entre as saídas está talvez buscar aprimorar a própria técnica”, diz Filipe Rubim, do Sebrae-SP.
Fonte: G1 Economia
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